domingo, 9 de maio de 2010

transição da idade média para a modernidade

A modernidade é um período histórico original e inovador, cujas conseqüências, nos mais variados campos da ação humana, ainda são sentidos nesse início do século XXI. Dentre os inúmeros e complexos elementos constituintes da Idade Moderna, podemos destacar os seguintes:
1º) individualismo;
2º) dessacralização da cultura e do conhecimento;
3º) crítica epistemológica;
4º) surgimento da ciência;
5º) intensificação da tecnologia;
6º) consciência da importância do fator econômico;
7º) nascimento das filosofias nacionais;
8º) emergência das ciências sociais;
9º) consciência dos signos e da comunicação;
10º) cidadania universal.


Os elementos da Idade Moderna descritos acima, por um lado, são os aspectos externos da libertação dos indivíduos em relação a uma longa série de dogmas que aparentemente estagnavam o conhecimento e a sociedade. Foi essa ruptura que permitiu aos indivíduos confiar, de forma progressiva, na própria capacidade pessoal de buscar a verdade e adquirir conhecimento, rompendo, assim, o monopólio espistemológico da origem divina que prevaleceu durante o período medieval. Mas, por outro lado, tal ruptura também gerou uma série de crises, que gradativamente foram levando à negação da dignidade da pessoal humana em nome de utopias sociais que se concretizaram em diversos regimes totalitários ao longo da modernidade.

A transição para a modernidade não foi um fato estanque, mas um processo longo e complexo que abrangeu mais de dois séculos da história européia. A modernidade surge como o período subseqüente a chamada Idade Média. Não existe um úco conceito que defina o período medieval, visto que ele pode ser classificado com base em diferentes processos históricos, a saber:
A) A hegemonia eclesiástica da Igreja Católica – abrangendo do ano de 313 com o Édito de Milão, que garantia a liberdade de culto aos cristão no Império Romano, até o ano de 1517, quando Martino Lutero (1483-1546) inicia a Reforma Protestante;
B) A preponderância nórdica – da invasão de Roma pelos visigodos em 410 até a retorno da sede pontifícia de Avignon para Roma em 1377;
C) O Império Bizantino – do ano 476, com a deposição do último imperador romano do ocidente, até o ano 1453, com a queda de Constantinopla;
D) A pressão militar islâmica sob a sociedade européia – que tem como marco inicial a Hégira em 622, representando o inicio do islamismo, e como marco final a Batalha de Lepanto em 1571.


No plano cultural o processo de transição da Idade Média para a Idade Moderna se desenvolveu graças ao humanismo, ao renascimento e aos descobrimentos marítimos, e se consolidou por intermédio das reformas religiosas e da revolução científica, que teve o Iluminismo por corolário. No terreno econômico tais transformações se concretizaram com as mudanças nos meios de produção e distribuição dos bens materiais e pela expansão comercial e marítima européia, que, por sua vez, foi a base para os descobrimentos além-mar. Finalmente, no campo político encontramos uma ruptura total com as relações medievais de poder, fato que se consolida com a criação das monarquias nacionais.

O processo de formação das nações foi acompanhado, de forma lenta e gradativa, pela adoção de línguas nacionais na produção cultural. No campo da Filosofia, a quebra da unidade lingüística deu origem a distinções sensíveis. Aos poucos, o latim foi sendo abandonado como língua oficial dos filósofos e o pensamento passou a ser expresso no idioma nacional dos autores. Entretanto, tal quebra na unidade lingüística não se deu de forma imediata, mas ao longo de quase três séculos, onde os diversos fatores históricos e culturais já citados também concorreram para tal realização. Essas mudanças fizeram que a reflexão filosófica se adaptasse às especificidades lingüísticas e culturais das novas nações que emergiam na Europa ocidental, criando o que se convencionou chamar de Filosofias nacionais. Portanto, como fenômeno intelectual típico da modernidade, as Filosofias nacionais poderiam ser tomadas como a forma de meditação que se erige a partir das mudanças culturais e históricas.

Podemos apontar como marcos iniciais dessas novas reflexões as obras de Francis Bacon (1561-1626), Galileu Galilei (1546-1642) e René Descartes (1596-1650). É interessante notar que num período de menos de dezessete anos foram publicadas as principais obras desses filósofos: em 1620 aparece o “Novum Organum” de Bacon; em 1632, o “Diálogo sobre os sistemas do mundo de Galileu”; e em 1637, o “Discurso do Método de Descartes”. Não obstante as inúmeras divergências existentes entre as teorias formuladas pelos três pensadores, encontramos dois pontos de convergência nas respectivas reflexões que merecem destaque. O primeiro é a tentativa consciente de romper com sistema aristotélico-tomista que monopolizava, de certa forma, a reflexão filosófica, e que servia como um paradigma explicativo para toda a realidade. A segunda característica convergente é a preocupação com a criação de um método capaz de garantir acesso seguro ao conhecimento objetivo da realidade.

Apesar desses aspectos universais, o pensamento filosófico da modernidade se adaptou às especificidades culturais e históricas de cada nacionalidade. Num primeiro momento surgiram as filosofias inglesa e francesa, e posteriormente, no período compreendido entre os séculos XVII e XX, inúmeras outras filosofias nacionais se constituíram, dentre as quais, à título de ilustração, citamos as filosofias alemã, italiana, espanhola, portuguesa, norte-americana, brasileira e russa.

Tais formas de filosofar distinguem-se umas das outras, principalmente, pelos problemas a que dão preferência. Somente tendo a perspectiva dos problemas como referência é que teremos um fio condutor seguro para explicar as razões pelas quais as inúmeras Filosofias nacionais seguiram caminhos diversos, além de descobrirmos em que consistem tais caminhos. Dessa forma, destacamos, à título de exemplo, as seguintes Filosofias nacionais:
1ª) “Filosofia Britânica”, que, desde Francis Bacon até nossos dias, enfatizou, com raras exceções, a temática da experiência, voltando-se para a ciência e o ‘senso comum’;
2ª) “Filosofia Francesa”, que, desde René Descartes até nossos dias, se voltou, apesar de alguns desvios contemporâneos dos chamados pós-modernos, para o conceito de razão e seu relacionamento com a dicotomia pensamento/extensão;
3ª) “Filosofia Alemã”, que, desde Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) até nossos dias, se angustiou com a constante tentativa de formular um sistema filosófico amplo;
4ª) “Filosofia Italiana”, que, desde Giambattista Vico (1668-1744) até nossos dias, se desenvolveu, nos diferentes matizes, priorizando a meditação sobre a cultura e/ou as outras formas de criação humana.

Contudo, a Filosofia não é composta apenas pela análise de problemas, sendo possível analisá-la em três planos distintos, a saber:
1º) o das “Perspectivas”, que correspondem ao ponto de vista último do conhecimento filosófico. As perspectivas são inelutáveis, perenes e irrefutáveis. Na verdade, no curso da meditação filosófica formaram-se apenas duas perspectivas: a “transcendente” e a “transcendental”. A “perspectiva transcendente”, postula que o saber verdadeiro diz respeito à permanência, que se encontra submersa naquilo que aparece, ou seja, nas “essências” que ultrapassam a experiência possível. A “perspectiva transcendental”, propõe só ser possível o conhecimento das realidades fenomênicas, que se dão na relação entre o “sujeito” e o “objeto”;
2º) o dos “Sistemas”, que são as propostas que buscam abrigar nas formulações a totalidade do saber. Os sistemas caracterizam-se pela transitoriedade. Ao longo da história da Filosofia podemos contrapor duas formas distintas de pensamento filosófico: o “sistemático construtivo” e o “problemático investigador”. Alguns pensadores foram, de certa forma, mais afinados com o pensamento filosófico sistemático construtivo, tais como: Plotino (205-270), Proclo (412-485), Santo Tomás de Aquino (1225-1274), Johannes Duns Scotus (1265-1308), Thomas Hobbes (1588-1679), Baruch Spinoza (1632-1677), Johann Fichte (1762-1814), Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) e Friedrich Schelling (1775-1854). Outros pensadores aparecem mais próximos do pensamento filosófico problemático investigador, como é o caso de Platão (428-347 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.), René Descartes (1596-1650), Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), David Hume (1711-1776) e Immanuel Kant (1724-1804). Geralmente as posturas sistemáticas construtivas, devido a sua transitoriedade, fixam os aspectos secundários e mutáveis das concepções filosóficas, ao passo que os traços permanentes são legados pelas posturas problemáticas investigativas;
3º) o dos “Problemas”, que constituem o elemento animador da Filosofia, pois, a partir de determinada perspectiva e no contexto de certos sistemas construtivos ou problemáticas investigativas promovem a constituição e o aprofundamento sucessivo da consciência filosófica.


O que nos permite solucionar satisfatoriamente o problema das Filosofias nacionais é o reconhecimento da magnitude dos problemas no curso histórico da Filosofia. Tais problemas, por sua vez, podem ser agrupados em grandes temas, que dão origem aos campos de atuação da meditação filosófica. A evolução cultural e histórica da modernidade levanta os seguintes problemas filosóficos basilares:
1º) o do “Conhecimento”, cujo objetivo foi procurar descobrir as fontes e os limites do entendimento humano, dando origem ao embate entre “empiristas” e “racionalistas”;
2º) o da “Ciência”, que refletiu se essa nova forma de saber é auto-suficiente ou se necessita de uma fundamentação filosófica, além de questionar o papel do conhecimento filosófico em relação à ciência;
3º) o da “Moralidade”, que questionou se o código moral judaico-cristão, sob o qual se erigia a cultura ocidental, estava na dependência da interpretação católica ou protestante, ou se podia ser fundamentado em outra fonte, como a razão ou os sentimentos;
4º) o da “Política”, que buscou discutir, com bases racionais, os fundamentos, a extensão e os limites do poder estatal, abordando, dentre outros, os temas da soberania, da liberdade, da igualdade, da justiça e da representação. Inicialmente a reflexão política moderna girou em torno do problema político-teológico, tema que dominou o cenário institucional europeu no inicio da modernidade, e que deu origem ao pensamento político e econômico liberal.


Os quatro problemas basilares da Filosofia moderna, em última instância, dizem respeito à admissão de uma nova forma de acesso à realidade. Inicialmente se supôs que bastava agregar ao método dedutivo consolidado pelos escolásticos o método indutivo, conforme demonstra a proposta de Francisco Suárez (1548-1617), que, no contexto da Segunda Escolástica espanhola, empreendeu sem sucesso, pois foi rechaçado pela Igreja Católica, um esforço sistemático em prol de um contato do sistema aristotélico-tomista com as transformações culturais e históricas da modernidade.

O confronto em torno da verdadeira fonte do conhecimento marcou de forma distinta as diferenças entre a Filosofia Inglesa e a Filosofia continental. O empirismo britânico de Francis Bacon lançou as bases do método indutivo, segundo o qual todo o conhecimento, em última instância deriva da experiência sensível. O racionalismo francês de René Descartes optou pelo método dedutivo, defensor da razão, garantidora das idéias claras e distintas, como fonte do conhecimento.

A querela entre empiristas e racionalistas encontrou parcialmente sua síntese na física de Isaac Newton (1642-1727). Por obra dos pensadores iluministas, em menos de um século, esse sistema se tornou algo completo e parecia ser capaz de oferecer a chave racional para explicar o universo e o homem. De certa forma a síntese newtoniana é antecipada pelo método original de Galileu Galilei, cujos componentes principais são a “experiência sensata” ou “observação cuidadosa” e a “demonstração necessária”, que de certa forma equivalem, respectivamente, aos conceitos de “indução” e “dedução”.

A universalização do paradigma newtoniano, reforça, em muitos aspectos, a tese de que a Filosofia moderna se caracteriza basicamente pela busca de sistemas alternativos à escolástica. Como já apontamos anteriormente, apesar de todos os esforços de Francisco Suárez, a maioria dos seguidores da escolástica se mantiveram firmes na recusa à ciência moderna. Contudo, graças aos fatores culturais e históricos característicos da modernidade, já descritos anteriormente, a tentativa de criar na Idade Moderna sistemas alternativos não gerou uma Filosofia universal como ocorreu com o pensamento tomista. Na verdade foram criados diversos sistemas paralelos, que, em última instância, mantiveram suas bases intimamente ligadas às Filosofias nacionais, como é o caso, dentre outros, do empirismo, do cartesianismo, do kantismo, do hegelianismo e do positivismo.

Mas apesar dessa pluralidade de sistemas filosóficos e diversidade de filosofias nacionais poderíamos perguntar se seria possível falar de universalidade da Filosofia na modernidade. A universalidade da Filosofia se mantém pelas perspectivas filosóficas e não pelos sistemas. Acreditamos que, ainda hoje, apenas quando deixarmos de lado a sucessão dos sistemas e nos voltarmos para os problemas que alcançaremos uma autêntica compreensão do curso histórico da Filosofia, pois, nenhum problema filosófico pode ser reduzido ao campo geográfico ou limitado por sistemas, frente à inelutável exigência de universalidade do pensamento humano. Entretanto, não cabe uma oposição e/ou exclusão rígida entre filosofia universal e filosofias nacionais. Devemos colocar essa problemática em termos de constituição, visto que na modernidade são as filosofias nacionais que constituem e formam a Filosofia universal, assim como na Antigüidade e na Idade Média eram os sistemas que formavam a unidade do pensamento.

2 comentários:

  1. Com essa transição, os homens da época se sentiram mais livres para desenvolver seus projetos, divulgar suas idéias e desenvolver seu intelecto. Apesar de ser um fato que ocorreu gradativamente, deu ao homem da época maior autoconfiança e capacidade para expressar sua vontade política, religiosa, artística e científica.

    Roberto Celestino de Souza Ferreira

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  2. O pos modernismo é realmente uma periodo de transição para uma realidade que não pode ser compriendida como concreta verdadeiramente absoluta, visto que o pos modernismo é um periodo de busca para respostas que nem a religião nem a ciência conseguem provar. Chego a pensar que é necessario um pouco de mito e surealismo para acharmos respostas para nosso mundo tão complicado e hiper-real.

    Dandára Paluza

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