A modernidade é um período histórico original  e inovador, cujas conseqüências, nos mais variados campos da ação  humana, ainda são sentidos nesse início do século XXI. Dentre os  inúmeros e complexos elementos constituintes da Idade Moderna, podemos  destacar os seguintes:
1º) individualismo;
2º) dessacralização da cultura e do conhecimento;
3º) crítica epistemológica;
4º) surgimento da ciência;
5º) intensificação da tecnologia;
6º) consciência da importância do fator econômico;
7º) nascimento das filosofias nacionais;
8º) emergência das ciências sociais;
9º) consciência dos signos e da comunicação;
10º) cidadania universal.
Os elementos da Idade Moderna descritos acima, por um lado, são os  aspectos externos da libertação dos indivíduos em relação a uma longa  série de dogmas que aparentemente estagnavam o conhecimento e a  sociedade. Foi essa ruptura que permitiu aos indivíduos confiar, de  forma progressiva, na própria capacidade pessoal de buscar a verdade e  adquirir conhecimento, rompendo, assim, o monopólio espistemológico da  origem divina que prevaleceu durante o período medieval. Mas, por outro  lado, tal ruptura também gerou uma série de crises, que gradativamente  foram levando à negação da dignidade da pessoal humana em nome de  utopias sociais que se concretizaram em diversos regimes totalitários ao  longo da modernidade.
A transição para a modernidade não foi um fato estanque, mas um processo  longo e complexo que abrangeu mais de dois séculos da história  européia. A modernidade surge como o período subseqüente a chamada Idade  Média. Não existe um úco conceito que defina o período medieval, visto  que ele pode ser classificado com base em diferentes processos  históricos, a saber:
A) A hegemonia eclesiástica da Igreja Católica – abrangendo do ano de  313 com o Édito de Milão, que garantia a liberdade de culto aos cristão  no Império Romano, até o ano de 1517, quando Martino Lutero (1483-1546)  inicia a Reforma Protestante;
B) A preponderância nórdica – da invasão de Roma pelos visigodos em 410  até a retorno da sede pontifícia de Avignon para Roma em 1377;
C) O Império Bizantino – do ano 476, com a deposição do último imperador  romano do ocidente, até o ano 1453, com a queda de Constantinopla;
D) A pressão militar islâmica sob a sociedade européia – que tem como  marco inicial a Hégira em 622, representando o inicio do islamismo, e  como marco final a Batalha de Lepanto em 1571.
No plano cultural o processo de transição da Idade Média para a Idade  Moderna se desenvolveu graças ao humanismo, ao renascimento e aos  descobrimentos marítimos, e se consolidou por intermédio das reformas  religiosas e da revolução científica, que teve o Iluminismo por  corolário. No terreno econômico tais transformações se concretizaram com  as mudanças nos meios de produção e distribuição dos bens materiais e  pela expansão comercial e marítima européia, que, por sua vez, foi a  base para os descobrimentos além-mar. Finalmente, no campo político  encontramos uma ruptura total com as relações medievais de poder, fato  que se consolida com a criação das monarquias nacionais.
O processo de formação das nações foi acompanhado, de forma lenta e  gradativa, pela adoção de línguas nacionais na produção cultural. No  campo da Filosofia, a quebra da unidade lingüística deu origem a  distinções sensíveis. Aos poucos, o latim foi sendo abandonado como  língua oficial dos filósofos e o pensamento passou a ser expresso no  idioma nacional dos autores. Entretanto, tal quebra na unidade  lingüística não se deu de forma imediata, mas ao longo de quase três  séculos, onde os diversos fatores históricos e culturais já citados  também concorreram para tal realização. Essas mudanças fizeram que a  reflexão filosófica se adaptasse às especificidades lingüísticas e  culturais das novas nações que emergiam na Europa ocidental, criando o  que se convencionou chamar de Filosofias nacionais. Portanto, como  fenômeno intelectual típico da modernidade, as Filosofias nacionais  poderiam ser tomadas como a forma de meditação que se erige a partir das  mudanças culturais e históricas.
Podemos apontar como marcos iniciais dessas novas reflexões as obras de  Francis Bacon (1561-1626), Galileu Galilei (1546-1642) e René Descartes  (1596-1650). É interessante notar que num período de menos de dezessete  anos foram publicadas as principais obras desses filósofos: em 1620  aparece o “Novum Organum” de Bacon; em 1632, o “Diálogo sobre os  sistemas do mundo de Galileu”; e em 1637, o “Discurso do Método de  Descartes”. Não obstante as inúmeras divergências existentes entre as  teorias formuladas pelos três pensadores, encontramos dois pontos de  convergência nas respectivas reflexões que merecem destaque. O primeiro é  a tentativa consciente de romper com sistema aristotélico-tomista que  monopolizava, de certa forma, a reflexão filosófica, e que servia como  um paradigma explicativo para toda a realidade. A segunda característica  convergente é a preocupação com a criação de um método capaz de  garantir acesso seguro ao conhecimento objetivo da realidade.
Apesar desses aspectos universais, o pensamento filosófico da  modernidade se adaptou às especificidades culturais e históricas de cada  nacionalidade. Num primeiro momento surgiram as filosofias inglesa e  francesa, e posteriormente, no período compreendido entre os séculos  XVII e XX, inúmeras outras filosofias nacionais se constituíram, dentre  as quais, à título de ilustração, citamos as filosofias alemã, italiana,  espanhola, portuguesa, norte-americana, brasileira e russa.
Tais formas de filosofar distinguem-se umas das outras, principalmente,  pelos problemas a que dão preferência. Somente tendo a perspectiva dos  problemas como referência é que teremos um fio condutor seguro para  explicar as razões pelas quais as inúmeras Filosofias nacionais seguiram  caminhos diversos, além de descobrirmos em que consistem tais caminhos.  Dessa forma, destacamos, à título de exemplo, as seguintes Filosofias  nacionais:
1ª) “Filosofia Britânica”, que, desde Francis Bacon até nossos dias,  enfatizou, com raras exceções, a temática da experiência, voltando-se  para a ciência e o ‘senso comum’;
2ª) “Filosofia Francesa”, que, desde René Descartes até nossos dias, se  voltou, apesar de alguns desvios contemporâneos dos chamados  pós-modernos, para o conceito de razão e seu relacionamento com a  dicotomia pensamento/extensão;
3ª) “Filosofia Alemã”, que, desde Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716)  até nossos dias, se angustiou com a constante tentativa de formular um  sistema filosófico amplo;
4ª) “Filosofia Italiana”, que, desde Giambattista Vico (1668-1744) até  nossos dias, se desenvolveu, nos diferentes matizes, priorizando a  meditação sobre a cultura e/ou as outras formas de criação humana.
Contudo, a Filosofia não é composta apenas pela análise de problemas,  sendo possível analisá-la em três planos distintos, a saber:
1º) o das “Perspectivas”, que correspondem ao ponto de vista último do  conhecimento filosófico. As perspectivas são inelutáveis, perenes e  irrefutáveis. Na verdade, no curso da meditação filosófica formaram-se  apenas duas perspectivas: a “transcendente” e a “transcendental”. A  “perspectiva transcendente”, postula que o saber verdadeiro diz respeito  à permanência, que se encontra submersa naquilo que aparece, ou seja,  nas “essências” que ultrapassam a experiência possível. A “perspectiva  transcendental”, propõe só ser possível o conhecimento das realidades  fenomênicas, que se dão na relação entre o “sujeito” e o “objeto”;
2º) o dos “Sistemas”, que são as propostas que buscam abrigar nas  formulações a totalidade do saber. Os sistemas caracterizam-se pela  transitoriedade. Ao longo da história da Filosofia podemos contrapor  duas formas distintas de pensamento filosófico: o “sistemático  construtivo” e o “problemático investigador”. Alguns pensadores foram,  de certa forma, mais afinados com o pensamento filosófico sistemático  construtivo, tais como: Plotino (205-270), Proclo (412-485), Santo Tomás  de Aquino (1225-1274), Johannes Duns Scotus (1265-1308), Thomas Hobbes  (1588-1679), Baruch Spinoza (1632-1677), Johann Fichte (1762-1814),  Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) e Friedrich Schelling  (1775-1854). Outros pensadores aparecem mais próximos do pensamento  filosófico problemático investigador, como é o caso de Platão (428-347  a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.), René Descartes (1596-1650), Gottfried  Wilhelm Leibniz (1646-1716), David Hume (1711-1776) e Immanuel Kant  (1724-1804). Geralmente as posturas sistemáticas construtivas, devido a  sua transitoriedade, fixam os aspectos secundários e mutáveis das  concepções filosóficas, ao passo que os traços permanentes são legados  pelas posturas problemáticas investigativas;
3º) o dos “Problemas”, que constituem o elemento animador da Filosofia,  pois, a partir de determinada perspectiva e no contexto de certos  sistemas construtivos ou problemáticas investigativas promovem a  constituição e o aprofundamento sucessivo da consciência filosófica.
O que nos permite solucionar satisfatoriamente o problema das Filosofias  nacionais é o reconhecimento da magnitude dos problemas no curso  histórico da Filosofia. Tais problemas, por sua vez, podem ser agrupados  em grandes temas, que dão origem aos campos de atuação da meditação  filosófica. A evolução cultural e histórica da modernidade levanta os  seguintes problemas filosóficos basilares:
1º) o do “Conhecimento”, cujo objetivo foi procurar descobrir as fontes e  os limites do entendimento humano, dando origem ao embate entre  “empiristas” e “racionalistas”;
2º) o da “Ciência”, que refletiu se essa nova forma de saber é  auto-suficiente ou se necessita de uma fundamentação filosófica, além de  questionar o papel do conhecimento filosófico em relação à ciência;
3º) o da “Moralidade”, que questionou se o código moral judaico-cristão,  sob o qual se erigia a cultura ocidental, estava na dependência da  interpretação católica ou protestante, ou se podia ser fundamentado em  outra fonte, como a razão ou os sentimentos;
4º) o da “Política”, que buscou discutir, com bases racionais, os  fundamentos, a extensão e os limites do poder estatal, abordando, dentre  outros, os temas da soberania, da liberdade, da igualdade, da justiça e  da representação. Inicialmente a reflexão política moderna girou em  torno do problema político-teológico, tema que dominou o cenário  institucional europeu no inicio da modernidade, e que deu origem ao  pensamento político e econômico liberal.
Os quatro problemas basilares da Filosofia moderna, em última instância,  dizem respeito à admissão de uma nova forma de acesso à realidade.  Inicialmente se supôs que bastava agregar ao método dedutivo consolidado  pelos escolásticos o método indutivo, conforme demonstra a proposta de  Francisco Suárez (1548-1617), que, no contexto da Segunda Escolástica  espanhola, empreendeu sem sucesso, pois foi rechaçado pela Igreja  Católica, um esforço sistemático em prol de um contato do sistema  aristotélico-tomista com as transformações culturais e históricas da  modernidade.
O confronto em torno da verdadeira fonte do conhecimento marcou de forma  distinta as diferenças entre a Filosofia Inglesa e a Filosofia  continental. O empirismo britânico de Francis Bacon lançou as bases do  método indutivo, segundo o qual todo o conhecimento, em última instância  deriva da experiência sensível. O racionalismo francês de René  Descartes optou pelo método dedutivo, defensor da razão, garantidora das  idéias claras e distintas, como fonte do conhecimento.
A querela entre empiristas e racionalistas encontrou parcialmente sua  síntese na física de Isaac Newton (1642-1727). Por obra dos pensadores  iluministas, em menos de um século, esse sistema se tornou algo completo  e parecia ser capaz de oferecer a chave racional para explicar o  universo e o homem. De certa forma a síntese newtoniana é antecipada  pelo método original de Galileu Galilei, cujos componentes principais  são a “experiência sensata” ou “observação cuidadosa” e a “demonstração  necessária”, que de certa forma equivalem, respectivamente, aos  conceitos de “indução” e “dedução”.
A universalização do paradigma newtoniano, reforça, em muitos aspectos, a  tese de que a Filosofia moderna se caracteriza basicamente pela busca  de sistemas alternativos à escolástica. Como já apontamos anteriormente,  apesar de todos os esforços de Francisco Suárez, a maioria dos  seguidores da escolástica se mantiveram firmes na recusa à ciência  moderna. Contudo, graças aos fatores culturais e históricos  característicos da modernidade, já descritos anteriormente, a tentativa  de criar na Idade Moderna sistemas alternativos não gerou uma Filosofia  universal como ocorreu com o pensamento tomista. Na verdade foram  criados diversos sistemas paralelos, que, em última instância,  mantiveram suas bases intimamente ligadas às Filosofias nacionais, como é  o caso, dentre outros, do empirismo, do cartesianismo, do kantismo, do  hegelianismo e do positivismo.
Mas apesar dessa pluralidade de sistemas filosóficos e diversidade de  filosofias nacionais poderíamos perguntar se seria possível falar de  universalidade da Filosofia na modernidade. A universalidade da  Filosofia se mantém pelas perspectivas filosóficas e não pelos sistemas.  Acreditamos que, ainda hoje, apenas quando deixarmos de lado a sucessão  dos sistemas e nos voltarmos para os problemas que alcançaremos uma  autêntica compreensão do curso histórico da Filosofia, pois, nenhum  problema filosófico pode ser reduzido ao campo geográfico ou limitado  por sistemas, frente à inelutável exigência de universalidade do  pensamento humano. Entretanto, não cabe uma oposição e/ou exclusão  rígida entre filosofia universal e filosofias nacionais. Devemos colocar  essa problemática em termos de constituição, visto que na modernidade  são as filosofias nacionais que constituem e formam a Filosofia  universal, assim como na Antigüidade e na Idade Média eram os sistemas  que formavam a unidade do pensamento.
domingo, 9 de maio de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)

Com essa transição, os homens da época se sentiram mais livres para desenvolver seus projetos, divulgar suas idéias e desenvolver seu intelecto. Apesar de ser um fato que ocorreu gradativamente, deu ao homem da época maior autoconfiança e capacidade para expressar sua vontade política, religiosa, artística e científica.
ResponderExcluirRoberto Celestino de Souza Ferreira
O pos modernismo é realmente uma periodo de transição para uma realidade que não pode ser compriendida como concreta verdadeiramente absoluta, visto que o pos modernismo é um periodo de busca para respostas que nem a religião nem a ciência conseguem provar. Chego a pensar que é necessario um pouco de mito e surealismo para acharmos respostas para nosso mundo tão complicado e hiper-real.
ResponderExcluirDandára Paluza